“Somos uma sociedade que destrata, desvaloriza e mata mulheres”, diz ministra Cármen Lúcia durante evento na Reitoria
“Somos uma sociedade que destrata, desvaloriza e mata mulheres”, diz ministra Cármen Lúcia durante evento na Reitoria
- Segunda, 01 Dezembro 2025 18:56
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que “somos uma sociedade ainda machista, misógina, sexista, que destrata, desvaloriza e mata mulheres”, durante evento realizado na tarde da última sexta-feira (28), na Reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC). Participando de forma remota, a ministra destacou que o enfrentamento à violência de gênero exige uma profunda mudança cultural e educacional: “O Estado só agir não é suficiente; as leis não bastam. É preciso fazer florescer outra sociedade, na qual os direitos assegurados na Constituição sejam cumpridos socialmente”.
A atividade integrou a premiação de estudantes que participaram do projeto "Arte para Transformar: cada traço, um ato de respeito às mulheres", promovido pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), em parceria com a UFC e com a Secretaria da Educação do Estado (Seduc).

Logo no início de sua fala, a ministra apresentou um dado alarmante: “O Brasil teve, na estatística apresentada de 2024, um assassinato de mulher a cada seis horas, e o feminicídio é apenas um dos fatos. As violências vão desde a ameaça à discriminação, à violência política, que impede as mulheres de assumirem seus espaços, às violências econômicas e financeiras”.
Segundo ela, a persistência da violência contra a mulher é resultado de um padrão histórico de desigualdade: “As mulheres foram historicamente tratadas como coisa, propriedade, patrimônio dos homens — do pai, do irmão, do marido, depois do filho. Coisificadas, não tinham vontade própria, não tinham escolha, não tinham liberdade”. A ministra ressaltou que essa lógica ainda deixa marcas no presente, inclusive na brutalidade de muitos assassinatos: “Nos feminicídios é comum o assassino desfigurar o rosto da vítima; é o dado de uma cultura feroz que nem os animais praticam. É a anulação da outra pessoa”.
Cármen Lúcia enfatizou que a violência de gênero não nasce de sentimentos, mas de relações de poder. “A violência contra a mulher não é uma questão de amor nem de ciúme. É uma questão de poder. Alguém acha que pode tanto que tem o direito de vida e morte sobre nós, mulheres”, afirmou. Ela também criticou a manutenção de papéis sociais que restringem as possibilidades de atuação feminina: “Por que nos entregam tarefas como se continuássemos sendo as gatas borralheiras, cuidadoras da casa, dos meninos, dos jovens e dos idosos, como se aquele cuidado, que nem é regulamentado, fosse a única razão de ser da existência das mulheres?”.
Ao se dirigir aos jovens presentes no evento, a ministra destacou a importância da educação para transformar mentalidades e promover igualdade: “É preciso que haja outra forma de nos educarmos e de educar nossas crianças. Precisamos aprender a igualdade, ou o que chamo de igualação: a ação permanente pela igualdade de todas as pessoas na sua dignidade humana”. Ela lamentou que, ainda hoje, mulheres continuem invisibilizadas: “Sempre tivemos mulheres na história que foram apagadas, silenciadas, porque não se queria que uma mulher fosse tomada como modelo. Isso não é diferente em 2025”.
Mesmo diante dos desafios, a ministra reforçou seu otimismo: “Acredito na juventude, acredito na humanidade e acredito demais que seremos capazes de construir uma sociedade livre, justa e solidária para todas as pessoas”. Ela defendeu que solidariedade, cuidado e afeto são valores essenciais para essa transformação: “A solidariedade nos faz mais fortes e mais afetuosos. O cuidado é próprio da humanidade”. A ministra concluiu com um apelo simbólico, citando a canção Fullgás, dos irmãos Antônio Cícero e Marina Lima: “Nesses tempos de tantos muros, de usar as mãos apenas com os dedinhos para mexer solitariamente nos celulares, talvez seja a hora de cantar de novo Fullgás e lembrar que, se a gente abre os braços, a gente faz um país”.

ATRASO HISTÓRICO - O reitor da UFC, Custódio Almeida, destacou o atraso histórico relacionado às questões de gênero. “Estamos muito atrasados. Estamos no século XXI discutindo igualdade entre mulheres e homens. Isso é ridículo”, afirmou. Ele acrescentou que outro problema é o processo de invisibilização da participação feminina na sociedade. “Não é que as mulheres não tenham protagonismo, mesmo em uma sociedade machista. É que esse protagonismo é escondido, abafado por interesses machistas.”
VALORIZAR A VIDA - Representando o presidente do TJCE, Heráclito Vieira, a desembargadora Vanja Fontenele, que acompanha de perto o projeto "Arte para Transformar", afirmou que a valorização da vida deve orientar a formação das crianças e dos estudantes. “Queremos que eles e elas incluam em seus objetivos o respeito mútuo e igualitário, que emprestem seus valores ao bem comum. É necessário que nós todos consigamos valorizar ao máximo a vida humana e a vida da mulher”, enfatizou.

PRATICAR O BEM - A secretária da Educação do Ceará, Ana Estrela, reforçou a importância da educação para o enfrentamento das desigualdades: “Precisamos trabalhar nossas crianças e adolescentes para praticar o bem, para valorizar a vida e aprender a viver com respeito, para que no futuro não precisemos mais falar de violência contra a mulher, que não precisemos mais punir, ou que ao menos possamos reduzir drasticamente essa violência que tanto dói e mata”.
MUDANÇA PROFUNDA - A ativista Maria da Penha, reconhecida internacionalmente por sua atuação no combate à violência contra a mulher, destacou o papel central da escola para a mudança estrutural na compreensão e superação da desigualdade de gênero. “Quando falamos em enfrentamento à violência doméstica e ao machismo, muitas vezes pensamos apenas nas respostas do sistema de justiça. Mas a verdade é que nenhuma transformação duradoura se constrói apenas nos tribunais. A mudança profunda nasce na escola, nas conversas em sala de aula, nos projetos pedagógicos, na escuta qualificada, no incentivo ao pensamento crítico e no olhar atento de professoras e professores.”
Veja mais informações sobre a cerimônia de encerramento deste ciclo do projeto Arte para Transformar, incluindo a lista de estudantes premiados, no site do TJCE.
Fonte: Secretaria de Comunicação e Marketing - e-mail: ufcinforma@ufc.br

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