Decisões da Justiça cearense garantem respeito, segurança e bem-estar aos usuários de aplicativos de transporte
Garantir que os direitos de cidadãs e cidadãos cearenses sejam assegurados fora e dentro de ambientes virtuais faz parte da rotina da Justiça estadual. Em maio, decisões envolvendo questões ligadas aos serviços disponibilizados pela plataforma Uber, reforçaram o compromisso do Poder Judiciário com a proteção de consumidoras e consumidores que utilizam tais mecanismos tecnológicos.
No último dia 12, a 1ª Turma Recursal do Fórum das Turmas Recursais decidiu em favor do fim do contrato da empresa com motorista acusado de transfobia, de modo a prevenir que passageiras e passageiros futuros enfrentem situações vexatórias e de desrespeito.
Conforme os autos, o motorista já trabalhava para a Uber há quatro anos, quando, em setembro de 2022, foi notificado sobre a desativação do perfil utilizado. Diante do bloqueio, procurou a empresa em busca de solução administrativa, mas não obteve sucesso. Naquele mesmo mês, ele havia se envolvido em problema relacionado a uma corrida. No processo, afirmou ter recebido solicitação de transporte por um passageiro, mas, no local, percebeu que se tratava de uma mulher.
Antes de iniciar o trajeto, disse que, como era costume, tentou confirmar a identidade da pessoa que havia embarcado, mas não obteve qualquer resposta. Por isso, insistiu em perguntar se o nome que aparecia na tela correspondia ao de quem estava no carro, o que irritou a passageira, e deu início a uma discussão.
O motorista pediu que a cliente se retirasse do veículo, sendo informado, durante o episódio, que a situação seria reportada à Uber como discriminação por transfobia. Posteriormente, recebeu notificação sobre a suspensão temporária da conta. Sem acesso, ele ingressou com ação judicial para requerer o desbloqueio do perfil na plataforma, bem como indenização por danos morais e lucros cessantes.
Na contestação, a Uber defendeu que o desligamento do profissional foi motivado por múltiplos relatos de condutas inapropriadas, incluindo assédio e direção perigosa. A plataforma relatou tê-lo notificado sobre as queixas de diferentes passageiros, e sobre a possibilidade de desligamento caso houvesse reincidência. Ressaltou ainda, que a empresa dispõe de portal para que os motoristas possam recorrer de desativações, não tendo tal mecanismo sido utilizado pelo autor do processo.
A empresa também apresentou a mensagem recebida pela passageira envolvida no caso citado, na qual contava que era transsexual e que o motorista teria errado três vezes o nome que constava no aplicativo. Mesmo após ser corrigido, ele teria continuado se referindo a ela como “amigo” em tom jocoso.
Em março de 2024, após analisar os fatos e as provas apresentadas, a 16ª Unidade dos Juizados Especiais considerou que houve motivos para o descadastramento, e julgou improcedentes todos os pedidos feitos pelo motorista.
Insatisfeito, o homem interpôs recurso inominado (nº 3001432-65.2022.8.06.0009) sustentando que a cláusula contratual que determinava a possibilidade de exclusão da plataforma a qualquer tempo feria o princípio da boa-fé. Alegou que não foram apresentadas provas de que ele tenha violado os termos da empresa, e que não lhe foi assegurada a chance de se defender, destacando que as avaliações dos usuários seriam realizadas sem filtros, o que os daria liberdade para manifestações acerca de qualquer reclamação, mesmo que infundadas.
Ao avaliar o caso, a 1ª Turma Recursal considerou que todos os relatos apresentados durante o processo compunham um histórico de comportamentos inadequados do motorista. Por isso, entendeu como válida a extinção do contrato por descumprimento das obrigações estipuladas. “Não vislumbro haver qualquer ilicitude ou irregularidade na conduta da empresa demandada em descredenciar o motorista da plataforma, de modo a evitar danos mais gravosos praticados contra outros possíveis usuários. Ao obrigar a plataforma a manter em seus quadros um motorista que não respeita minimamente os termos contratuais e os usuários do serviço, como restou comprovado nos autos, estaríamos privilegiando uma intervenção estatal indevida em uma relação estritamente privada, forçando a continuação de relação contratual indesejada por uma das partes”, detalhou o juiz Irandes Bastos Sales, relator do processo.
INDENIZAÇÃO POR EXTRAVIO DE ITENS
Em outro caso, ocorrido em outubro de 2024, uma estudante utilizou o serviço Uber Flash para realizar o transporte de mercadorias cujos valores somavam R$ 544,00. Os produtos foram entregues ao motorista parceiro que, conforme os autos, teria desviado a rota, finalizando a corrida em local diverso, sem efetuar a entrega.
A mulher chegou a registrar Boletim de Ocorrência sobre a situação, e contatou a Uber para obter esclarecimentos. Sem respostas e enfrentando prejuízos de ordem emocional e financeira, ela ingressou com ação judicial (nº 3001684-46.2024.8.06.0220) para pleitear indenização por danos morais.
A empresa contestou afirmando que o motorista sinalizou a entrega dos produtos no sistema, não tendo a estudante comprovado o contrário. Detalhou que, ao ser informada sobre o problema, entrou em contato com o motorista, mas não obteve retorno. Informou que a Uber não tem qualquer responsabilidade por extravios de itens, atuando somente como facilitadora entre usuários, motoristas e destinatários, e que a autora da ação assumiu riscos ao enviar objetos que ultrapassavam o valor máximo estipulado pela plataforma, de R$ 500,00.
No dia 13 de maio, a 22ª Unidade dos Juizados Especiais Cíveis de Fortaleza destacou que a entrega visava atender a uma cliente da mulher, o que evidenciava o impacto pessoal sofrido com o problema. Considerando frágeis os critérios adotados pela Uber para escolha de seus parceiros prestadores de serviço, fixou a compensação por danos morais em mil reais.
“A ré limitou-se a alegar que a encomenda foi considerada entregue, sem apresentar qualquer prova minimamente eficaz nesse sentido. Ademais, a própria plataforma ajustou o preço da corrida com a mensagem de que ‘o valor de sua viagem foi ajustado porque o destino real era diferente do selecionado originalmente’. Registre-se, ainda, que o motorista foi excluído da plataforma em razão de sua baixa avaliação, o que corrobora a narrativa da autora ao indicar a existência de conduta reprovável por parte do prestador de serviço. O dano moral, nesse contexto, ultrapassa os limites do mero aborrecimento cotidiano. A perda da confiança em serviço essencial ao seu dia a dia, a sensação de impotência diante da comissão da empresa e a exposição a situação vexatória perante terceiro, especialmente quando se presume relação comercial, justificam a reparação pretendida”, explicou a juíza Helga Medved, titular da unidade.
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