UFC concede título de graduação póstumo a Bergson Gurjão Farias, expulso em 1969 e assassinado pela ditadura militar em 1972
Cinquenta e três anos após ter a vida violentamente interrompida pelas forças de repressão da ditadura militar brasileira, Bergson Gurjão Farias se unirá aos mais de 130 mil egressos formados pela Universidade Federal do Ceará (UFC). A concessão do título de graduação post mortem, visando à reparação histórica, será realizada em solenidade nesta sexta-feira (16), às 17h30, na sala do Conselho Universitário (Consuni), na Reitoria.
O evento é aberto ao público e contará com a presença de familiares de Bergson, dentre eles a irmã Ielnia Farias Johnson, de 79 anos, que reside nos Estados Unidos. A data foi escolhida por ser véspera do aniversário do homenageado, que teve seu título póstumo aprovado por unanimidade pelo Conselho Universitário em dezembro de 2024.

Ainda sobre família, os versos "Oi, zum, zum, zum, zum, zum, zum! Tá faltando um!", de uma composição de Paulo Soledade e Fernando Lobo em 1950, foram entoados várias vezes em tom de lamento por Luiza Gurjão Farias, mãe do estudante assassinado. Somente após 37 anos de espera, ela conseguiu enterrar o filho, que era estudante de Química da UFC e caiu na clandestinidade por ter sido injustamente expulso em 1969, por conta do Decreto-Lei Federal nº 477.
Bergson Gurjão foi liderança do movimento estudantil durante a década de 1960, atuando como vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e diretor do Centro Acadêmico dos Institutos de Ciências da UFC. Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), teve a matrícula cassada em virtude do seu envolvimento político na época da ditadura militar. Diante da perseguição que sofreu, acabou sendo deslocado para a militância clandestina. Na Guerrilha do Araguaia, na data provável de maio de 1972, aos 25 anos, foi encontrado pelo Exército, morto e divulgado como desaparecido.
"Bergson tinha aquele idealismo, uma consciência cívica muito grande. Quando ele desapareceu, depois que a gente soube da morte dele, foi aquela dor. Mas foi uma dor que a gente sabia que foi a escolha dele, que ele não fez nada disso sem pensar; era ele, a consciência dele", descreve a irmã Ielnia.

Os restos mortais do estudante foram encontrados nos anos de 1990 na região do Araguaia, no Pará. Somente após identificação via exame de DNA, a família conseguiu finalmente ter o direito a um funeral digno. Em 6 de outubro de 2009, com honras de Estado, os restos mortais de Bergson Gurjão foram transferidos de Brasília para Fortaleza em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), velado na Reitoria da UFC e sepultado no cemitério Parque da Paz, ao lado do pai dele. Em 21 de fevereiro de 2010, quatro meses depois do rito, a mãe dele, Luiza, faleceu aos 95 anos.
Ielnia Johnson celebra o ato simbólico de recebimento do título de graduação do irmão pelo significado que o legado de luta de Bergson pode ter para as novas gerações – e também pela justiça feita à memória da família, em razão da falta que o estudante, morto pela ditadura, passou a fazer. "Se ele tivesse terminado o curso e recebesse o diploma como todos os alunos, acho que teria sido o dia mais feliz da vida do papai e da mamãe. Para mim, vai ser muita emoção", adiantou.
Bergson, relata a irmã, tinha uma personalidade marcante e alegre – gostava de música, de basquete e de política, interesse herdado das discussões familiares sobre o tema. Antes mesmo de ingressar no curso de Química, Ielnia frisa que o jovem sentiu a necessidade de se envolver politicamente, principalmente depois do golpe militar. "Não tinha como evitar ele se envolver. Ele não foi levado por amizade ou por coisa nenhuma. Foi a consciência dele, como a maioria do pessoal de esquerda que conheço", contou.

HOMENAGENS NA UFC – Além do título póstumo, em dezembro de 2024, durante a comemoração dos 70 anos da UFC, foi aberta a exposição Sementes de Lutas: aqui está presente o movimento estudantil!, que marcou a inauguração do Espaço Cultural Bergson Gurjão Farias. Aprovado por unanimidade pelo Consuni, o nome do espaço, localizado no prédio da Reitoria, é uma homenagem ao estudante. Na ocasião da inauguração, a UFC também entregou o Termo de Reconciliação Histórica a ex-militantes do movimento estudantil que foram perseguidos de alguma forma pela ditadura militar, com processos, impedimentos de matrícula, suspensões, prisões, torturas, assassinato e desaparecimento.
"O movimento estudantil é uma escola diversa, livre e plural de formação política, de onde vêm muitas lideranças da sociedade, como gestores públicos, magistrados e cientistas. O seminário que fizemos ano passado, a exposição, o espaço cultural e a concessão deste título póstumo são formas de relembrar o passado, honrar as pessoas que foram caladas e garantir que nada disso se repita", explica o reitor Custódio Almeida, ele mesmo "cria" do movimento.
TÍTULOS POST MORTEM – Outras universidades federais, a exemplo da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também concederam títulos post mortem a estudantes. Em junho de 2024, a UnB anulou a decisão que desligou Honestino Guimarães do curso de Geologia e concedeu o título de graduação póstumo. Um dos nomes mais importantes do Brasil na luta contra a ditadura militar e na defesa da democracia, ele foi expulso em 1968, antes de concluir a graduação, e desaparecido pelo regime autoritário em 1973.
Em setembro de 2024, a UFMG concedeu diplomas de conclusão de curso póstumos a quatro estudantes que perderam a vida na luta contra a ditadura militar. Receberam os diplomas póstumos Gildo Macedo Lacerda, que era estudante de Economia; Idalísio Soares Aranha Filho, que cursava Psicologia; Walkíria Afonso Costa, aluna de Pedagogia; e José Carlos Novais da Mata Machado, discente do curso de Direito.
Serviço:
Solenidade de concessão de título de graduação post mortem a Bergson Gurjão Farias
Local: Sala do Conselho Universitário da UFC (Av. da Universidade, 2853, Benfica)
Data: 16 de maio de 2025 (sexta-feira)
Horário: 17h30
Evento aberto ao público.
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