Tornou-se quase que um lugar comum falar de primavera como renovação: das flores que voltam, da alegria da natureza, sempre ao som das “Quatro Estações” de Vivaldi ou assistindo “Fantasia”, do Disney.
Por que um filósofo viria a questionar este cenário idílico? Simplesmente porque os filósofos acreditam que, assim como todas as coisas se renovam naqueles seres a quem pertencem, a reflexão também deve se “renovar” nos homens.
Renovar parece palavra simples, mas tem umas entrelinhas complicadas e enganosas. Pelo dicionário, significa “fazer com que (algo) fique como novo” ou “volte a ser como novo”.
Bem, uma flor, quando nova, é como um foco para onde convergem todos os olhares, pela sua beleza, cor e graça; ela mesma, não volta jamais a ficar assim, mas a natureza produz outras, na próxima primavera idênticas? Quase. Num passar de dezenas anos, são muito parecidas, a cada ciclo; em milhares de anos já começam a se modificar, lentamente.
O que deduzir disso? A flor, como indivíduo, não se renova; a natureza, como coletividade, sim. E aí, entramos na peculiaridade da condição humana: interessa-nos a individualidade, e não apenas a nossa imersão inconsciente na marcha do coletivo.
Interessa-nos (ou deveria nos interessar!) crescer por mérito individual, e não apenas “ser arrastado” pelas correntes da moda; não o individualismo egoísta, que busca o destaque por vaidade, ambição e desejo incessante de conforto e entretenimento, mas a individualidade consciente, que busca comprometer-se com a humanidade fazendo seu papel: tornando-se mais humano para dar exemplo, para demonstrar que isso é possível, para abrir caminhos.
Ou seja, a flor nasce flor por requinte da natureza; o homem torna-se Homem por esforço próprio; a flor, como indivíduo, só envelhece e perde suas cores, parecendo menos com uma flor, à medida que o tempo passa; o homem pode ganhar novas cores e ficar mais parecido com um Homem, quando o mesmo tempo transcorre.
A flor faz o que lhe corresponde: desabrocha na primavera, encanta os apaixonados, decora os jardins. O Sol nasce e se põe, gerando espetáculos belíssimos e pontuais, todos os dias, para os que se dispõe a apreciá-lo.
O homem, nem sempre tem feito o que lhe corresponde; há um compasso de expectativa para que os homens desabrochem, e a primavera humana, que depende apenas de cada homem, individualmente, não chega. O amanhecer humano tarda, e a escuridão já assusta e incomoda.
Imagino que um Homem, na sua plenitude de valores, sabedoria, fraternidade, ética, honra e bondade seria um espetáculo tão belo quanto o desabrochar de qualquer flor, e a aurora e o crepúsculo de qualquer sol. Quando?
Comecemos por nós; busquemos intensamente, como o maior dos objetivos, o despertar da nossa natureza humana; há um apelo que ecoa pela natureza: “Precisamos de seres humanos!”
Atender a este apelo talvez seja uma das formas mais eficazes e contundentes de trabalhar em prol da natureza, objetivo tão buscado em palavras, em nossos dias. Em atos, nem tanto; se buscarmos o “humano”, quem sabe todo o demais não seja conquistado por acréscimo?
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