Defensoria conquista decisões favoráveis em todas as câmaras do TJCE e consolida identidade de pessoas não binárias no Judiciário
Defensoria conquista decisões favoráveis em todas as câmaras do TJCE e consolida identidade de pessoas não binárias no Judiciário
Texto: Bruno de Castro
Ilustração: Valdir Marte
A Defensoria Pública do Ceará (DPCE) garantiu esta semana uma importante conquista às pessoas não binárias. Com a mais recente decisão do Tribunal de Justiça (TJCE), ocorrida no último dia 20 de agosto e publicada nessa terça-feira (27/8), todas as quatro câmaras de Direito Privado do Poder Judiciário local passam a ter entendimentos favoráveis à mudança de sexo na certidão de nascimento (de masculino ou feminino para não binário).
Todas as decisões foram fruto de atuações da DPCE, que presta assistência jurídica a essas pessoas desde julho de 2022, quando as ações judiciais começaram a ser protocoladas em meio a um mutirão. Diferente de homens trans, mulheres trans e travestis, que desde 2018 podem alterar os documentos diretamente nos cartórios, a população não binária ainda é obrigada a levar o caso à Justiça e só consegue a correção por ordem expressa de um(a) juiz(a).
As quatro decisões favoráveis são deste ano, tendo a primeira delas acontecido no fim de maio. Até então, o Ceará não tinha entendimento jurídico sobre a identidade não binária. “Essas decisões são importantíssimas porque consolidam um direito que muitas vezes estava sendo negado em decisões esparsas. Com elas, o Judiciário firma um entendimento do direito consagrado de qualquer pessoa à autodeclaração. Porque é a própria pessoa quem tem que dizer como se vê e, consequentemente, quem ela é. Não o Estado”, explica a defensora Mariana Lobo, que atuou nos casos ao lado das defensoras Ana Cristina Soares de Alencar e Ana Teresa de Bonis Cruz e do defensor Raimundo Pinto de Oliveira Filho.
Ela recorda que os pedidos de alteração das certidões de nascimento dessas quatro pessoas não binárias foram todos negados em julgamentos iniciais, feito por um(a) juiz(a), no Fórum de Fortaleza. Por entender que a correção do documento é um ato fundamentado na Constituição Federal e por reconhecer a relevância da luta do movimento não binário, a Defensoria recorreu de cada uma dessas decisões e levou todos os casos às instâncias de Direito Privado do TJCE, que têm o poder de derrubar sentenças do Primeiro Grau.
Na 1º Câmara, a Defensoria reverteu dois processos; na 2ª Câmara, um; na 3ª Câmara, outro; e mais um na 4ª Câmara. Ao todo, cinco ações judiciais foram julgadas nesses espaços. Entre a abertura da ação na Justiça – em 2022 – e as decisões favoráveis de agora, foram, portanto, dois anos de sensibilizações e defesas das causas feitas pela DPCE diante de duas dezenas de magistrados e magistradas, já que cada câmara é composta por cinco desembargadores e desembargadoras.
Em algumas, a DPCE teve de convencer os juristas a votar contra parecer negativo do relator do processo, algo nem sempre possível de acontecer. Mas que aconteceu. Dessa forma, com as quatro câmaras tendo decisões favoráveis à causa, perde a validade a tese, até então bastante utilizada, de não haver no Ceará argumentos jurídicos robustos o suficiente para reconhecerem a identidade não binária no Ceará.
“Na prática, a gente espera que não seja mais necessário essas pessoas esperarem dois, três ou quatro anos por uma decisão favorável. Nossa expectativa é de que os processos tramitem num tempo mais célere, já que agora há, enfim, um entendimento jurisprudencial consolidado”, acrescenta Mariana Lobo, que já está atuando em mais um processo de retificação documental de pessoa não binária na 3ª Câmara de Direito Privado do TJCE.
LUTA EM PARALELO
Enquanto mobilizava argumentos para os casos no TJCE, a DPCE defendia a criação de mecanismos legais pelo Judiciário para o Ceará alterar a certidão de nascimento de pessoas não binárias de forma administrativa, direto no cartório, sem a necessidade de abertura de processo na Justiça. Em estados como o Rio de Janeiro e a Bahia, isso já é realidade. As negociações com o tribunal cearense seguem em andamento no sentido de o estado desburocratizar o procedimento.
Nesse sentido, tratativas estão sendo feitas entre o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) e a Assessoria de Relacionamento Institucional (Arins), da DPCE, e a Corregedoria do TJCE. “Assim, vamos assegurar que o direito personalíssimo da população não binária à identidade será respeitado. A mudança na certidão de nascimento é o primeiro passo para o exercício de uma cidadania plena. Com ela, essas pessoas poderão ter uma vida social e reivindicar direitos sem terem de se submeter à violência do binarismo compulsório que marca a nossa sociedade”, finaliza Mariana Lobo.
SERVIÇO
NÚCLEO DE DIREITOS HUMANOS E AÇÕES COLETIVAS
Telefone: (85) 9.8895.5514 ou (85) 9.8873.9535
E-mail: ndhac@defensoria.ce.def.br
Endereço: avenida Senador Virgílio Távora, nº 2.184, no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza
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